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Determinantes clínicos e ecocardiográficos (2D e 3D) de reoperação da valva mitral em crianças com doença congênita da valva mitral



Título original: Clinical and 2D/3D-Echocardiographic Determinants of Mitral Valve Reoperation in Children With Congenital Mitral Valve Disease.


Autores: Nora Lang,  Steven J. Staffa, David Zurakowski, Francesca Sperotto,

Melinda Shea, Christopher W. Baird, Sitaram Emani, Pedro J. del Nido, Gerald R. Marx. 


Referência: JACC Adv. 2024;3(8):101081. doi: 10.1016/j.jacadv.2024.101081.


Data de publicação: 25 de março de 2024 


Objetivo 

A doença congênita da válvula mitral é uma cardiopatia congênita heterogênea, com anatomia e prognóstico variáveis. Diversas partes do aparelho valvar podem estar acometidos, incluindo a região supravalvar, o anel, as cúspides e a região subvalvar. Muitas crianças, mesmo com o tratamento clínico, acabam necessitando de intervenções percutâneas ou cirúrgicas. A plastia da válvula mitral é geralmente preferida em relação a troca valvar, pois preserva a geometria ventricular e permite o crescimento tecidual. No entanto, estudos mostram que uma parcela significativa dos pacientes necessita de reoperações após a primeira abordagem. A identificação de fatores de risco para essas reoperações pode melhorar a estratificação de risco e o manejo clínico desses pacientes. 

Historicamente, o ecocardiograma bidimensional (2D) tem sido utilizado para monitorar e guiar o tratamento desses pacientes. No entanto, o ecocardiograma tridimensional (3D) oferece uma avaliação espacial mais precisa das estruturas da válvula, podendo melhorar o planejamento cirúrgico. Estudos sobre o uso do 3D em crianças são limitados, mas sua aplicação já foi documentada em pacientes com defeito do septo atrioventricular e hipoplasia do coração esquerdo.


O estudo teve como objetivo investigar as associações entre variáveis clínicas e ecocardiográficas e a necessidade de reoperação da válvula mitral (VM) em crianças com doença congênita da válvula mitral. O estudo comparou a eficácia do 3D com o 2D na previsão de reoperações, e desenvolveu algoritmos para auxiliar os clínicos na tomada de decisões.


Metodologia

O estudo incluiu pacientes com menos de 18 anos que realizaram cirurgia de válvula mitral no Boston Children's Hospital entre janeiro de 2002 e dezembro de 2018. Foram excluídos pacientes com hipoplasia do coração esquerdo, defeito do septo atrioventricular, discordância atrioventricular ou doenças do tecido conjuntivo. 


Os pacientes foram classificados em três grupos: estenose mitral (EM), insuficiência mitral (IM) e dupla lesão mitral (DLM), com base nas características anatômicas e nos gradientes de Doppler. 


O desfecho primário foi o tempo até a reoperação da valva mitral e os desfechos secundários foram a necessidade de troca valvar mitral e o óbito em qualquer momento até o último acompanhamento.


As medidas ecocardiográficas foram realizadas até 7 dias antes da cirurgia e no pós-operatório (na alta hospitalar ou 10 dias após a cirurgia, o que acontecesse primeiro). 


No ecocardiograma 2D, a gravidade da IM e EM foram graduadas em mínima, discreta, moderada e importante. Para a IM foi utilizada uma análise qualitativa. Para a EM os seguintes gradientes médios foram usados como corte: mínima < 3 mmHg, discreta 3 – 5 mmHg, moderada 6 – 10 mmHg e importante > 10 mmHg. O cálculo da área regurgitante da vena contracta no 2D foi medida usando a equação de uma elipse: A = π × a × b. Os diâmetros foram medidos a partir de planos ortogonais, sendo o diâmetro 'a' aferido no corte apical e o 'b' no paraesternal eixo longo.


No ecocardiograma 3D, foi feita a aquisição do “full volume” a partir do corte apical quatro câmaras e as medidas da área do orifício valvar mitral efetivo e da área de regurgitação da vena contracta foram adquiridas através do recurso multiplanar. 


Resultados

Um total de 206 pacientes foram submetidos a cirurgia da valva mitral no período do estudo. Desses, 105 pacientes (51%) tinham EM, 75 (36%) tinham IM e 26 (13%) tinham DL. A idade mediana da primeira abordagem da válvula mitral foi de 17 meses e o peso mediano foi de 9,1 kg. 


Sessenta de quatro pacientes (31%) necessitaram de reoperação da válvula mitral, com tempo mediano de 9 meses após a primeira cirurgia. Vinte e seis pacientes (12,6%) precisaram de troca da válvula mitral, com tempo mediano de 46 meses após a primeira cirurgia. 


Em um acompanhamento mediano de 60 meses, 13 pacientes (6%) não sobreviveram. A maior taxa de mortalidade foi observada em pacientes com DL (4/26, 15%), enquanto a menor foi relatada em pacientes com IM (2/75, 3%). 


Os fatores independentes associados à reoperação incluíram: idade inferior a 1 ano (LC ajustado: 2,65; IC 95%: 1,13-6,21), presença de “tethering” das cúspides (LC ajustado: 2,00; IC 95%: 1,05-3,82), presença de insuficiência mitral pelo menos moderada ao ecocardiograma 2D pós operatório (LC ajustado: 4,26; IC 95%: 2,45-7,40), além das mudanças iniciais na área do orifício valvar mitral efetivo tridimensional (LC ajustado: 0,24; IC 95%: 0,06-0,90) e na área de regurgitação da vena contracta tridimensional (LC ajustado: 2,53; IC 95%: 1,15-5,60). 

Nos casos de EM o aumento de menos de 30% na área valvar mitral efetiva medida pelo 3D foi associado a 80% de precisão para prever reoperação (LC ajustado: 8,50; IC 95%: 2,90-25,1; p < 0,001). Em pacientes com IM uma redução de menos de 40% na área de regurgitação da vena contracta medida pelo 3D teve 93% de precisão para prever reoperação (LC ajustado: 22,50; IC 95%: 2,90-175,00; p = 0,003).


Ao comparar as ecocardiografias 2D e 3D, os parâmetros 3D demonstraram maior valor prognóstico para prever a necessidade de reoperação. Com base nessas descobertas, algoritmos foram desenvolvidos para ajudar na avaliação e na tomada de decisões clínicas.




Limitações 

Por ser um estudo retrospectivo, houve perda de informações e nem todos os pacientes tinham dados de 3D disponíveis. A gravidade da IM foi avaliada qualitativamente por diferentes ecocardiografistas e os dados foram extraídos do laudo, portanto, pode haver variação na avaliação da gravidade insuficiência. Os limites de confiança não foram ajustados para múltiplas comparações e devem ser interpretados com cautela. Além disso o número de reoperações nessa coorte foi relativamente limitado, necessitando de estudos maiores para que os achados possam ser validados externamente. 


Conclusão

Em uma coorte de pacientes com doença congênita da valva mitral, 31% necessitaram de reoperação da válvula mitral. Idade menor que 1 ano, presença de “tethering” das cúspide, evidência de IM pelo menos moderada pós-operatória ao 2D, bem como as mudanças iniciais da área valvar mitral efetiva e a área regurgitante da vena contracta ao 3D foram associadas de forma independente à reoperação da válvula mitral. 


Os parâmetros do ecocardiograma 3D mostraram uma associação significativamente mais forte com a reoperação da válvula mitral em comparação com os parâmetros do 2D, sugerindo um valor adicional da avaliação pelo 3D. Algoritmos de decisão foram desenvolvidos com base nesses achados para servir como uma ferramenta de apoio para a tomada de decisão clínica.


Este estudo reforça a importância da ecocardiografia tridimensional, proporcionando maior precisão na identificação de riscos e no planejamento cirúrgico.


 

Revisora: Dra. Isabela Lobo

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