A Conexão Bidirecional da Meditação Transcendental
- DIC
- 27 de mar.
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Atualizado: 31 de mar.
“Mens sana in corpore sano” é conhecida citação de origem Latina, derivada da Sátira X do poeta romano Juvenal. Esta frase foi a resposta do autor à questão sobre o que se desejar na vida1.
Àquela época, provavelmente, Juvenal se referia às influências da mente sobre o corpo, mas não sobre a conexão por ela mediada ao universo. É também provável que ele desconhecesse os níveis moleculares e, até mesmo, sub-atômicos, dessa complexa interação.
Recentemente, Richard J. Davidson, fundador do Center for Investigating Healthy Minds, publicou artigo mostrando mudanças moleculares específicas após um período de meditação. Uma regulação negativa de genes que estão implicados na inflamação.
Os genes afetados incluem os pró-inflamatórios RIPK2 e COX2, bem como vários genes de histona desacetilase (HDAC), que regulam a atividade de outros genes epigeneticamente removendo um tipo de etiqueta química2.
Chandran V et al demonstraram que a meditação pode promover aumento de expressão de genes associados à resposta imune, incluindo alguns relacionados ao interferon3.
A meditação transcendental modifica padrões de metilação do DNA, especialmente em genes relacionados ao metabolismo de células imunológicas e ao envelhecimento4.
Amanda Mosini e colaboradores publicaram uma revisão de literatura sobre efeitos neuroquímicos, neurofisiológicos e cognitivos-comportamentais em praticantes da meditação transcendental. Esta revisão mostra redução de neurotransmissores associados ao estresse, assim como aumento daqueles relacionados ao prazer5.
Kieran Fox e colaboradores avaliaram alterações estruturais cerebrais associadas à meditação, apresentando uma metanálise sobre o tema6. Este estudo foi reforçado por outra metanálise de estudos de ressonância magnética cerebral em meditantes, de Maddalena Boccia e colaboradores7. Em ambos, observa-se aumento volumétrico das àreas pré-frontais e redução dos núcleos da base.
Além destas alterações anatômicas, Robert Schneider estudou as alterações funcionais, através de fMRI, demonstrando importante redução da atividade da amigdala cerebral, paralela ao aumento de atividade em áreas frontais8.
A atividade da amigdala cerebral tem se correlacionado com ocorrência da síndrome de Takotsubo, conforme estudo caso-controle que comparou 41 pacientes que apresentaram a síndrome a 63 controles pareados. A atividade da amigdala cerebral foi significativamente maior nos casos que nos controles9.
Dong Oh Kang avaliou a atividade neurobiológica associada ao estresse e sua correlação à instabilidade de placas ateroscleróticas10. Observou-se relevante correlação entre a atividade amigdalar e inflamação em placas carotídeas, aórticas, além da produção macrofágica a partir da medula.
Esses achados chegam a recomendar o ranqueamento da atividade amigdalar como mais um modificável fator de risco cardiovascular.
De um lado, evidências quanto aos efeitos da meditação sobre àreas cerebrais mediadoras do estresse e suas consequências. Por outro, estudos sugestivos do papel central dessas mesmas áreas na deflagração de eventos cardiovasculares.
Inspirados por essa rica plausibilidade biológica, surgem estudos clinicos randomizados que avaliam o impacto da meditação sobre indicadores como morte, infarto e acidente vascular cerebral11. Sob a mesma inspiração, estudos randomizados avaliando o impacto sobre a pressão arterial sistêmica12, ou sobre a síndrome metabólica13
O título desse texto se refere à conexão bidirectional da meditação transcendental. Até aqui, analisamos o caminho em direção a níveis moleculares, anatômicos e funcionais da biologia humana. Ao analisarmos a direção oposta, da mente para o universo, abrem-se os portais da percepção, sugeridos pelo nobel de literatura Aldous Huxley14. Os estados alterados da consciência, especialmente aqueles promovidos pela meditação transcendental, mas não somente estes, podem ampliar a percepção dos fenômenos da natureza. O substrato físico dessa oportunidade foi bastante discutido por Wolfgang Pauli e Gustav Jung, quando criaram o termo sincronicidade15, que também abraça a abrangência das intuições, tão presentes nos melhores consultórios e enfermarias.
Fritjof Capra trouxe uma interessante provocação ao correlacionar a sabedoria milenar aos últimos achados da física quântica, ao publicar “ O TAO da Física”. Este livro tornou-se um sucesso de vendas, conectando ciência e consciência, explorando implicações filosóficas da mecânica quântica16.
Outra leitura recomendada é “ Como os hippies salvaram a física”17. O autor, David Kaiser, físico do MIT e historiador, conviveu com Capra e o envolve nessa intrigante narrativa, que nos apresenta importantes descobertas a partir dos estados alterados da consciência e do sonho lúcido.
Em conclusão, o médico que se aprofundar sobre a meditação transcendental, terá uma alternativa terapêutica para seus pacientes, ao promover profundas interferências moleculares, anatômicas e funcionais. Ao mesmo tempo, degustará uma nova rota de acesso ao conhecimento e à percepção, rumo ao real entendimento do propósito da medicina.
Referências
1. Juvenal (2004). Braund, Susanna Morton, ed. Juvenal and Persius. Cambrigia, Massachusetts; Londres, Inglaterra: Harvard University Press
2. Perla Kaliman, María Jesús Álvarez-López, Marta Cosín-Tomás, Melissa A. Rosenkranz, Antoine Lutz, Richard J. Davidson. Rapid changes in histone deacetylases and inflammatory gene expression in expert meditators. Psychoneuroendocrinology, 2014; 40: 96
3. Large scale Genomic Study Reveals Robust Activation of the Immune System Following Advanced Inner Engineering Meditation Retreat. Chandran V, Bermúdez ML, Koka M, et al. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America. 2021, 118(51):e2110455118
4. Chaix R et all. Brain, Behavior, and Immunity. 2020;84:36-44. Differential DNA Methylation in Experienced Meditators After an Intensive Day of Mindfulness-Based Practice: Implications for Immune-Related Pathways
5. Amanda C Mosini et al. Neurophysiological, cognitive-behavioral and neurochemical effects in practitioners of transcendental meditation - A literature review. REV ASSOC MED BRAS 2019; 65(5):706-713
6. Kieran C. R. Fox et al. Is meditation associated with altered brain structure? A systematic review and meta-analysis of morphometric neuroimaging in meditation practitioners. Neuroscience & Biobehavioral Reviews. 2014 (43):48-73
7. Boccia M, Piccardi L, Guariglia P. The Meditative Mind: A Comprehensive Meta-Analysis of MRI Studies. Biomed Res Int. 2015;2015:419808. doi: 10.1155/2015/419808
8. Orme-Johnson DW, Schneider RH et al. Neuroimaging of meditation’s effect on brain reactivity to pain. NeuroReport 2006 17(12):1359-1363.
9. Azar Radfar et al. Stress-associated neurobiological activity associates with the risk for and timing of subsequent Takotsubo syndrome. Eur Heart J 2021 May 14;42(19):1898-1908.
10. Don Oh Kang et al. Stress-associated neurobiological activity is linked with acute plaque instability via enhanced macrophage activity: a prospective serial 18F-FDG-PET/CT imaging assessment. European Heart Journal, Volume 42, Issue 19, 14 May 2021, Pages 1883–1895
11. Schneider RH et al. Stress reduction in the secondary prevention of cardiovascular disease:Randomized controlled trial of transcendental Meditation and health education in Blacks. Circulation Cardiovascular Quality and Outcomes. 2012, 5(6):750-8.
12. Brook RD et al. Beyond Medications and Diet: Alternative Approaches to Lowering Blood Pressure. A Scientific Statement from the American Heart Association. Hypertension, 61:1360-1383, 2013.
13. Paul-Labrador M et al. Effects of a randomized controlled trial of transcendental meditation on components of the metabolic syndrome in subjects with coronary heart disease. Arch Intern Med. 2006 Jun 12;166(11):1218-24
14. HUXLEY, Aldous. As portas da percepção. Rio de Janeiro: Globo, 2002
15. Marialuisa Donati. Beyond synchronicity: the worldview of Carl Gustav Jung and Wolfgang Pauli. J Anal Psychol 2004 Nov;49(5):707-28.
16. CAPRA, Fritjof. O Tao da Física: um paralelo entre a física moderna e o misticismo oriental. São Paulo: Cultrix, 1983.
17. KAISER, David. Como os hippies salvaram a física: ciência, contracultura e o renascimento do misticismo quântico. São Paulo: Cultrix, 2015.

Autor: Roberto Botelho
Presidente da Fundação Adib Jatene, de apoio ao Instituto Dante Pazzanese-SP
Presidente do Uberlândia Medical Center-MG
Diretor de inovação da MedIQ-SP