
O termo burnout significa a queima ou combustão total e é utilizado de forma coloquial na língua inglesa para se referir a uma situação em que um trabalhador se sente esgotado em sua energia individual associado a uma intensa frustração com o trabalho.
O esgotamento profissional ocorre quando um indivíduo é submetido a um período prolongado ao estresse ocupacional. Para entender o esgotamento profissional, é necessário primeiramente entender o conceito de estresse. O estresse é uma reação natural do organismo que ocorre quando um período ou ameaça são percebidos. Segundo o modelo geral, ocorre em 3 fases: A primeira é a fase de alarme em que o indivíduo entra em contato com o agente estressor. Nela pode haver sintomas como mãos e pés frios, boca seca, tensão muscular, taquicardia, falta de ar e agitação. A segunda é a fase de resistência em que há uma adaptação do organismo, que tenta recobrar o seu equilíbrio. Nesta fase pode haver problemas com a memória, desgaste físico, fadiga, mudanças no apetite, irritabilidade e sensibilidade exacerbada. Por fim, há a fase de exaustão em que o organismo perde a capacidade de adaptação e então podem surgir sobrepostos aos sintomas apresentados na fase de resistência, dificuldades com o sono, tiques, dificuldade de concentração e apatia.
O estresse ocupacional ocorre quando há a necessidade de um grande esforço para enfrentar situações adversas no trabalho e o indivíduo percebe que não detém as estratégias ou recursos necessários para lidar adequadamente com as situações com que se depara, percebendo o ambiente laboral como ameaçador à sua saúde física ou mental. O estresse ocupacional pode ser dividido em três grupos principais, sendo elas as relações interpessoais; a relação simbólica com a vida laboral e as exigências e demandas específicas das tarefas a serem desempenhadas.
Os fatores de risco relacionados ao estresse ocupacional mais encontrados na literatura atual são: a insatisfação com o trabalho, elevada carga de trabalho ou de esforço, responsabilidade excessiva, longas jornadas, expectativas pouco claras sobre o desempenho desejado, não ter oportunidade de opinar nas tomadas de decisão, trabalhar em condições perigosas, necessidade de discursar ou expor ideias frente a colegas, discriminação e assédio.
A exposição continuada aos estressores ocupacionais pode desencadear o que é atualmente conceituado como Síndrome de Burnout. A Síndrome de Burnout é diagnosticada quando há uma tríade de sintomas, não bastando somente haver o esgotamento profissional. Os componentes da tríade são a exaustão emocional, caracterizada por cansaço extremo e sensação de não ter energia para enfrentar o dia de trabalho; despersonalização ou cinismo, em que há uma insensibilidade ou desligamento afetivo em relação à atividade exercida, acarretando indiferença ou hostilidade em relação às pessoas que devem receber o serviço; e, por fim, a perda da realização pessoal, composta por sentimentos de incompetência e de frustração pessoal e profissional. O quadro clínico inclui irritabilidade, intolerância, agressividade, inquietação, fadiga, falta de energia, perda do autocontrole, alterações no humor, perda de prazer em atividades anteriormente prazerosas, alterações de apetite e perda de libido.
Como consequências do quadro clínico instalado estão a perda da produtividade, aumento no desgaste nas relações interpessoais dentro e fora do trabalho, maior possibilidade de adoecimento, acidentes de trabalho e abuso de substâncias.
O fator da susceptibilidade individual a cada tipo de estressor deve ser levado em conta. A depender da história de vida de cada indivíduo e de suas características de temperamento e personalidade, cada pessoa pode ser afetada de forma mais ou menos intensa pelo estresse a que está sendo submetido. Ressalta-se neste aspecto que cada indivíduo desenvolve ao longo de sua vida mecanismos de enfrentamento de situações adversas que podem ser mais ou menos adaptativos e efetivos nos contextos laborais. Características de personalidade como pouca flexibilidade, dificuldades na delegação de tarefas, baixa tolerância à frustração, dificuldades com assertividade, teatralidade e perfeccionismo estão entre as que são fracamente adaptativas aos ambientes sociais e ocupacionais e predispõe ao estabelecimento da Síndrome de Burnout.
Existem também características das organizações que predispõe ao estresse continuado/Burnout, sendo elas a baixa remuneração, sobrecarga, responsabilidade indevida, indefinição de funções, falta de recursos para a realização das tarefas, relação interpessoal desrespeitosa da chefia, com presença de negligência ou assédio, clima institucional de insegurança, entre outras.
A combinação de fatores organizacionais predisponentes, entendidas como estressores, associada a vulnerabilidade pessoal, é o cenário propício para o desenvolvimento da Sindrome de Burnout.
Embora já estivesse presente na CID 10 (International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems 10 revision), foi na CID 11 que a Síndrome de Burnout passou a ser classificada como um fenômeno relacionado ao trabalho. Segundo a CID 11, a síndrome de burnout pode ser definida como resultante do estresse crônico no ambiente de trabalho, enfatizando que o burnout só deve ser diagnosticado em contexto profissional, ou seja, deve ser causado pelo trabalho. A repercussão jurídica desta mudança está no fato que um trabalhador com síndrome de burnout com diagnóstico confirmado passou a ter direito a licença médica remunerada por até 15 dias de afastamento e após este período, caso necessário, o benefício deverá ser pago pelo INSS, Instituto Nacional do Seguro Social, e prevê estabilidade de doze meses, ou seja, após a alta pelo INSS o trabalhador não pode ser demitido sem justa causa por um período de 12 meses. Porém, para se realizar o diagnóstico de síndrome de burnout e emitir um atestado, o médico assistente precisa ter um profundo conhecimento não apenas do paciente, mas também do ambiente laboral em que este se insere, necessitando descartar que o paciente tenha outros diagnósticos de transtornos mentais que possam vir a ser a causa da sintomatologia, realizar um estudo pormenorizado e aprofundado do ambiente de trabalho e conhecer os fatores de risco presentes e, por fim, estudar casos semelhantes e demais dados epidemiológicos da instituição onde o paciente trabalha. Caso o diagnóstico seja realizado sem o devido cumprimento de todas as etapas, ele não será válido pela CID 11 e poderá ser configurado como infração ética do médico.
A primeira descrição de esgotamento completo da energia individual relacionado à exaustão e frustração com o trabalho aconteceu na década de setenta e foi realizada pelo médico psiquiatra alemão Herbert Freudenberger, que a descreveu como uma fadiga persistente, falta de energia, distanciamento afetivo e indiferença e irritabilidade relacionadas ao trabalho, associadas a sentimentos de ineficácia e frustração contínua e ocorreu entre os funcionários de uma clínica para dependentes químicos em Nova York. As profissões relacionadas aos cuidados de saúde foram as pioneiras na descrição do fenômeno e até o presente momento os profissionais que nela atuam figuram entre um dos principais a desenvolverem a síndrome.
A propensão dos profissionais de saúde ao burnout é bem documentada, sendo frequentemente identificadas em médicos assistentes, médicos residentes e enfermeiros em diversas especialidades sendo predominantemente estudado entre trabalhadores de serviços hospitalares, onde os fatores de risco identificados são a alta exposição dos profissionais a riscos químicos e físicos, problemas administrativos, que acarretam falta de autonomia, falta de participação nas decisões, sobrecarga quantitativa de trabalho, relacionada a extensas jornadas de trabalho, alto número de pacientes a serem atendidos ou número insuficiente de profissionais, ou recursos escassos. Além da sobrecarga quantitativa, há uma sobrecarga qualitativa que se dá no momento em que o profissional sente que sua responsabilidade é excessiva, por demandar demais de seus recursos cognitivos e emocionais, visto que suas decisões têm uma repercussão direta na vida de pacientes e familiares. O contato próximo com os usuários dos serviços em que trabalham, a convivência com a finitude da vida e a limitação de recursos e a ausência do tempo necessário para recuperar-se de situações estressantes vivenciadas também são fatores predisponentes para o desenvolvimento da síndrome.
Profissionais que atuam como parte de equipe multiprofissional de saúde também podem vivenciar situações de estresse relacionadas a conflitos interpessoais relacionados a tomadas de decisões, papel de cada membro da equipe, noções de status ou hierarquia.
Dentre os profissionais de saúde, destaca-se como fator protetor ao desenvolvimento da síndrome de Burnout a autoestima, entendida como os sentimentos que cada indivíduo tem sobre si próprio a partir de uma avaliação subjetiva sobre seu próprio valor, competência e adequação, resultando em uma aprovação ou desaprovação de si mesmo.
Uma vez instalado, o tratamento para síndrome de burnout requer acompanhamento psicoterápico, farmacológico, e intervenções psicossociais.
Porém, medidas preventivas individuais, organizacionais e combinadas podem funcionar de maneira efetiva a fim de se evitar o desenvolvimento da SB. Entre as intervenções individuais, é possível citar a aprendizagem de estratégias de enfrentamento adaptativas diante de eventos estressantes, treino de habilidades comportamentais e cognitivas adaptadas ao ambiente profissional que possam gerar um ambiente de apoio, gerenciamento de carga de trabalho, habilitar o profissional a encontrar um equilíbrio entre o trabalho e a vida profissional, por meio de pausas regulares, férias e rotina fora do trabalho. Em relação às instituições de trabalho, sugere-se que há uma responsabilidade por parte destas de criar um ambiente de trabalho saudável com melhores condições laborais para seus funcionários e em especial na questão dos hospitais, gerenciamento racional de turnos e horários estendidos de trabalho, sendo para isso necessário ter conhecimento das necessidades e dificuldades encontradas pelos profissionais. Pode-se citar como exemplo o AMA Joy in medicine, programa utilizado pela American Medical Association, que visa a obter informações por meio de questionários enviados aos médicos. Com base nas respostas obtidas, foram adotadas medidas institucionais que visam a diminuição de fatores estressores, medidas estas que foram responsáveis pela redução das taxas de burnout médico.
A combinação de estratégias individuais e organizacionais, bem como a troca de informações entre profissionais e instituições de trabalho, tem se mostrado a forma mais eficaz para a diminuição do desenvolvimento do esgotamento profissional e síndrome de burnout, gerando benefícios às instituições de trabalho, bem como uma melhor qualidade de vida para os profissionais.

Dra. Mariana ONO
Médica psiquiatra pela Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto. Especialista em Terapia cognitivo-comportamental. Título de especialista em psiquiatria pela Associação Brasileira de Psiquiatria, com certificação de área de atuação em psicoterapia. Mestre em Práticas Institucionais em Saúde Metal pela Universidade Paulista.
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